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domingo, 25 de setembro de 2011

Sobre a vida dentro do aquário


Ela não era um peixinho.
Colocaram ela lá. Na verdade foi uma espécie de arremesso para dentro d'água. Aconteceu no nascimento.
Ela foi crescendo um peixinho singelo, azul, que gostava de ficar longe da maré.
Aos 6 anos chegou a hora de ir à escola. Jurava que ia sair do aquário e entrar na maré; mas não aconteceu. Sentiu muito medo, o contato com as pessoas era superficial e ao mesmo tempo "violento".
Os anos foram passando e nada mudou. Algumas vezes tentou aproximação com os outros peixinhos, chamou os que considerava especial para dentro do aquário...
Enxergava o mundo por trás do vidro embaçado. Ao longe avistava pinturas de Van Gogh e ouvi uma canção numa doce voz feminina "a esperança dança na corda bamba de sombrinha".
Durante sua existência, cativou algumas amizades sinceras. Mas nunca ninguém que cogitasse a possibilidade de sair do aquário. Talvez dependesse somente dela. Talvez o mundo fosse um poço de solidão que só tem doses homeopáticas de "cura" de vez em quando.
Dezesseis anos e ela decidiu que não era feliz ali. Vivia em um sufoco. Depois de muita procura descobriu que a barreira para o mundo lá fora não existia, que foram só os anos de solidão e incompreensão alheia que lhe deram tal percepção.

Você tem medo? 

Não era medo, era só que ela não acreditava no mundo lá fora. Nem nos outros peixinhos.
Enroscou-se na própria nadadeira, esqueceu como usa-la após algumas atitudes que ela julgou uma intensa traição do que julgava certo.
Restou ficar só. Boiar na superfície do aquário e por incrível que pareça, aquilo foi uma das melhores "condições" de vida. Um portal entre o aquário e o mundo lá fora. Sem dúvidas, sem esperança. "A esperança equilibrista, sabe que o show de todo artista tem que continuar."
Dezessete - mas que idade bela - os dias passavam mais rápido agora.

Foi quase na metade do ano, ela estava lá, perdida, contemplando o mundo pelo vidro, quando avistou a presença de um peixinho verde, dentro do aquário dele. Satisfeita, lembrou que já conhecia aqueles belos olhinhos.
O menino-peixe corajoso aproximou-se e eles mataram a saudade. Abriram os mundos e cativaram-se.

Just like heaven 

Um belo dia - belo de verdade - ela percebeu que havia saído do aquário. Não doeu, não morreu e segurava a mão do peixinho-verde-herói.
Ele mostrou a ela que viver no aquário era só uma condição que ela se impôs e que ele também vivia no aquário, mas não sempre.
Notou (notar: latim noto - 1. Distinguir através de marca ou sinal. = ASSINALAR, MARCAR, SINALIZAR) que não era um peixinho, era humana e que o aquário era sua fuga da realidade.
Abraçou essa tal da realidade, que mesmo dolorosa, tinha um colorido que era possível ser enxergado.
Agora via as obras de arte de perto e de vez em quando até sonhava em fazer a sua. E quanto a música, outra não saía da sua cabeça, agora. Desde que o menino-peixe-verde ganhou seu coração, ela cantarolava baixinho "Show me how you do it, and I promise you, I promise that, I'll run away with you. I'll run away with you."


Bem, como nem tudo é perfeito, às vezes ela voltava para o aquário, mas aceitava tal condição e dividia com o seu herói. Tornava a situação mais suportável.

7 comentários:

  1. Você faz eu me sentir alguém melhor do que eu realmente sou. Sra Lana, toda essa liberdade que lhe proporcionei foi simplesmente o meu amor agindo sobre mim e sobre você, que se permitiu ser amada.
    Let it be
    Germanno Falcão

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  2. Já te considero uma escritora de verdade. Você faz isso tão bem.

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  3. Lindo texto, linda palavras.
    De encher os olhos de verdade e os lábios de sorrisos, comparando com antigos textos, você está tão crescida. Parabéns por seu talento das palavras! Sou mais uma das quais te consideram uma escritora de verdade; Um abraço enorme! @lovlovemedo

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  4. Um Lindo texto... e quantas vezes nós nos vemos como esses peixinhos. Conseguimos nos enxergar nas suas palavras Lana. É incrível vir aqui e se deparar com seu coração... pois sentimos ele nas suas palavras.

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  5. AWWWWWWWWWWWWWWWN :) Que coisa fofa, Lana! E que bem que todos percebemos essa sensação de estar dentro de um aquário, isolados de tudo. O problema é não haver um peixinho-herói para todos.

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  6. Lana, posso te chamar assim né?
    Seus textos são incrivelmente detalhados e bem escritos, não duvido que você seja reconhecida no mundo inteiro por seus best sellers daqui há uns anos. E, se eu puder te deixar um conselho: não deixe de escrever, nunca.
    Bom, é por isso que eu coloquei o seu blog nos favoritos do meu. Se quiser dar uma olhada (http://thehardestisgoaway.blogspot.com/) :3 e ler meus textos também...
    Aliás, eu escrevi um pedaço de uma história mas não sei como continuá-la, quem sabe posso ter a honra de ter a sua ajuda para terminá-lo? :))

    Beijos, Jaci.

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  7. Acho que apaixonei pelo modo que encontra metáforas fantásticas. Sua mente parece legal. Eu me sinto como a personagem do seu texto, exatamente... Você me descreveu foi? hahaha! Não, sei que não. Mas você é boa nisso e ah, eu só não tenho um peixinho herói por quem eu possa cantar esses versinhos... Ainda.

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