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domingo, 10 de maio de 2015

A arte viva que a memória ama


"Entra pra ver
Como você deixou o lugar
E o tempo que levou pra arrumar
Aquela gaveta"
Há quatro anos atrás eu tinha praticamente o mesmo rosto, cabelo colorido porque queria a qualquer custo afirmar uma identidade, um emprego que eu adorava e me consumia muito, um blog que eu escrevia com muito mais frequência do que escrevo agora, relacionamentos complicados e um sonho que parecia impossível. Estava descobrindo o mundo e me descobrindo. Não sei até que ponto minha adolescência foi um tanto tardia, não sei até quando terei as crises existenciais chamadas de crises da juventude.
Lembro que no ano de 2012 eu fiz muitas descobertas. Descobri lentamente minha vontade de mudar o mundo, quando um rapaz cantou "Podres Poderes" em um sarau que eu nunca tinha reparado o quanto foi significativo na minha vida.
Reafirmei minhas amizades, fortaleci minha vontade de escrever. E acima de tudo, sabia exatamente o que eu queria ser.
"Entra pra ver
Mas tira o sapato pra entrar
Cuidado que eu mudei de lugar
Algumas certezas
Pra não te magoar."
Agora eu tenho esse rosto juvenil, cabelo comprido e normal porque cansei de gastar tempo e dinheiro com esses fios, conquistei meu sonho, virei professora e saí da casa da minha mãe. Tenho um monte de animais de estimação e plantinhas. Não tenho nenhuma certeza do que quero ser.
Sábado, naquele sarau, eu senti falta do brilho que as descobertas tem. Senti falta de um espírito de porraloquice que eu imaginei ter, senti falta das pessoas que estiveram comigo no primeiro sarau que fui no centro de convivência. Essas pessoas envelheceram. Eu envelheci. Envelhecer é uma palavra forte, dói. Envelhecer me lembra rugas e perda de memória. Eu só lembro do que minha memória ama.
E a minha memória ama as pessoas que querem viver de arte, gente que se importa com coisas simples, gente que escreve cartas, gente que abraça, gente que vomita no papel. Minha memória ama gente.
Sábado, naquele sarau eu senti falta de gente. Claro, haviam muitas pessoas lá. Música boa, um palhaço engraçado... Mas não vi minha gente. Alguma coisa se perde com o tempo, como poeira. Talvez o que a memória ama seja só uma projeção.

"Mas se você quiser
Alguém pra amar
Ainda
Mas se você quiser
Alguém pra amar
Ainda
Hoje não vai dar
Não vou estar
Te indico alguém."
Uma grande amiga me deu um presente inesperado. Demorei para abrir, precisava esperar o momento certo. Hoje a noite, enquanto ouvia essa chuva bonita açoitando a janela e matando a sede das minhas plantas, resolvi ler aquele cartão postal bonito que me alegrou deveras.

"Mas fica um pouco mais
Que tal mais um café?
Ainda lembra disso?
Que bom."
Tudo mudou, é verdade. Mas que bom que algumas coisas mudam e ainda ficam. Eu sempre admirei muito as pessoas porque elas são isso: seres mutáveis. Apesar d'eu me machucar muito, ainda restam bonitezas cotidianas. Ano passado eu voltei a escrever por causa dessa amiga
.
Hoje, depois daquele sarau, alguma coisa não faz tanto sentido, mas ainda sim fica bonito e interessante. Talvez algumas coisas percam o brilho para outras ascenderem. Maturidade é sempre bem-vinda, mesmo ela sendo sempre irresponsável - e jovial?
Eu não canso de ser confessional.
Que tal mais um café?
Ainda lembra disso?

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